Sobre a (im)parcialidade de Deus. Deus é injusto?

No evangelho de João há um relato em que Jesus vai diante do chamado poço de Betesda.

Nestas localidade havia muitos enfermos, incontáveis.

Segundo o relato, Jesus curou apenas um, e os demais ficaram como estavam.

Muitas outras passagens existem assim na sagrada escritura...

O que dizer diante de tal fato? Deus é injusto por curar alguns, e outros não?

Alguns dizem: Deus é soberano, faz o que quer e ponto. É a resposta mais simples. É a resposta do crente.

Outros dizem: Deus não existe. Bobeira perder tempo com isso! Ou se existir, não é desse jeito que essas escrituras narram. É a resposta do ateu, do agnóstico.

Há que diga: Deus não pode ser injusto, curar uns e outros não. Logo, estes relatos são míticos, e querem comunicar outra coisa, mas não a possibilidade de cura. Eles, apesar de crerem em Deus, querem "limpar sua barra" e justificar sua crença de forma inteligente. Logo, elaboram uma teoria no sentido de que Deus não interfere neste mundo de forma nenhuma, e que estamos por conta de nós mesmos. Os que assim creem são mais difíceis de serem classificados, e acho que eles preferem assim mesmo.

Quem dá a primeira resposta não quer muito diálogo. Já está seguro do que diz, e não está a fim de discutir.

Quem dá a segunda resposta, já se posicionou de alguma forma. 

Quem dá a terceira, me parece que se encontra em uma crise de fé um pouco maior. 

Muito bem, o que penso?

A segunda resposta, não vou discutir. A pessoa já negou tudo, não há base comum.

Penso que quem dá a terceira resposta se afastou um pouco da tradição bíblica, não tardará, e rejeitará todos as doutrinas (ou dogmas) históricos acerca de Cristo, da Trindade, dos milagres, da ressurreição física, etc. Respeito tais teólogos, mas não sigo esse caminho (já tentei, confesso, mas achei muito árido). 

Penso também que não basta dizer Deus é soberano e ponto. Precisamos ir um pouco além disso.

Dentro da tradição bíblica, existe a ideia de queda do ser humano, pecado original, ou seja, pecado das origens. Isso afetou profundamente todo o modo como a humanidade se relacionou com Deus, nos deixando com uma tendência muito ruim, que em linguagem teologicamente técnica pode ser descrito como "totalidade da depravação humana" Isso não significa que o homem seja tão mau quanto pode ser, mas que frente a um Deus santíssimo, está irremediavelmente perdido.

Nesta perspectiva, Deus poderia ter acabado com a humanidade desde o momento em que esta pecou. E Ele continuaria sendo quem Ele é, com todos os seus atributos.

Mas Ele assim não o fez, e vem durante todos estes séculos, permitindo a existência humana, ao ponto de querer resgatá-la. E o mais exuberante ato de amor foi dar o melhor de Si, ou seu próprio Filho, para redimir toda a humanidade.

Ou seja, o que quero dizer é que, se Deus quisesse, poderia ter colocado um fim na história humana desde o seu início. E se ele agisse somente baseado em sua justiça, é isso que poderia ter feito. Entretanto, como está escrito, a misericórdia triunfa sobre o juízo. Logo, se continuamos por aqui, TODOS nós vivemos e existimos por misericórdia divina, pura graça, dom imerecido, não importa que uns recebam um pouco mais, outros menos. E todos nós vivemos em um mundo em que há determinada esfera de liberdade para cada um de nós, e vamos vivendo, ora nos machucando, ora nos ajudando, e todos nós sofremos as consequências do que outros a nós fizeram e vice versa, sem necessariamente isso ou aquilo ser culpa divina.

De fato, isso não significa que tenho todas as respostas. Do porque alguns são curados, outros não. Mas, se posso dizer assim, é precisamente neste ponto que prefiro colocar uma "pitada" de agnosticismo. Confessar minha ignorância e continuar caminhando. Isso faz parte da fé, confessar que não entendo tudo, mas CONFIAR que há um Senhor sumamente amoroso, e bom (como nos dizem as Sagradas Escrituras) e justo, que seja com sua providência, seja com sua permissão, conduz e conduzirá a história de um modo tal que eu não posso conceber. Mas em tudo isso, se as Escrituras forem verdadeiras, também me consolo com o fato de que o Senhor não é um Deus distante, mas em nós, que sofre em nós, e que, no Filho, Aquele que tudo deixou, se esvaziou, e se tornou um de nós, feito pecado sem ter pecado, e foi o que mais sofreu e padeceu com toda a condição humana, e padece até os dias atuais por meio de seu corpo, que é a igreja. 


Sobre a (im) parcialidade de Deus

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