"Liquidação! 900 Reais por uma unção financeira!"

Uma crítica ao comércio do sagrado

Por Bispo José Ildo Swartele de Mello




Fiquei estarrecido ao ver o Silas Malafaia e o Morris Cerullo na TV comercializando uma tal unção de prosperidade financeira ao custo de R$ 900,00. E olha que o programa teve horas de duração totalmente focadas no comércio desta suposta unção financeira. Esta fórmula de se fazer dinheiro parece mesmo funcionar, pois o programa foi reprisado várias vezes. O que faz lembrar o famigerado “ligue já” de Walter Mercado.


Cerullo apelou para numerologia para propor a oferta de 900 Reais, dizendo que estamos em 2009, e que 9 representa plenitude, de modo que os que ofertassem 900 receberiam, ainda este ano, uma prosperidade plena, algo jamais visto, o cumprimento de todas as promessas de Deus para as suas vidas. Uma oferta realmente tentadora para justificar um investimento alto! Mesmo assim, não ficou claro porque ele induz o telespectador a contribuir com 900 e não com apenas 9 Reais, visto não estarmos no ano de 2900, mas, sim, em 2009! Marqueteiro que nem ele só, Cerullo chegou ao disparate de afirmar que os ofertantes receberiam uma Bíblia de brinde que valeria mais de 900 Reais. Peça rara ou pregação de peça!


Lutero deve ter se revirado no túmulo, pois o protestantismo surgiu exatamente contra a comercialização do sagrado. Suas 95 teses protestavam contra a abominável prática católica de cobrança para concessão de perdão de pecados. A salvação é de graça e as bênção de Deus são gratuitas: “vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Is 55.1).


Certa vez, um mágico chamado Simão, maravilhado com os prodígios operados no ministério de Pedro, quis negociar com o apóstolo, oferecendo dinheiro para adquirir aquele dom espiritual. Sabe como Pedro reagiu àquela proposta indecente? Indignado, "Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus. Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração” (At 8.18-22).


“De graça recebestes e de graça dai” (Mt 10.8), disse Jesus, que em outra ocasião ficou muito irado com aqueles que praticavam comércio das coisas espirituais, tanto que, com um chicote na mão, expulsou os vendilhões do templo, chamando-os de “ladrões e salteadores”. Jesus estava sempre advertindo seus seguidores a respeito do cuidado que se deve ter contra os mercenários (Jo 10.1,12). O Apóstolo Pedro também advertiu a igreja a respeito dos falsos profetas espertalhões que “movidos por avareza”, procurariam fazer comércio da boa fé do povo de Deus. (2Pe 2.3).


Isto é fruto da maldita teologia da prosperidade que o que produz na verdade é a prosperidade de seus pregadores. O Apóstolo Paulo alerta a Igreja contra os falsos profetas e pastores que ensinam heresias por pura ganância: "Aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância." [Tt 1:11].


A teologia da prosperidade é produto desta sociedade de consumo, prometendo conceder através da fé tudo aquilo que as propagandas dizem que uma pessoa precisa ter para ser feliz. Transforma a fé em uma varinha de condão e faz do nome de Jesus, uma espécie de abracadabra ou lâmpada de Aladim para a realização de todos os sonhos despertados pela sociedade de consumo. Diante da grande mentira de que o prazer, o sucesso e o bem-estar físico, econômico e social são o grande alvo da vida e que tudo isto está acessível a todos. Iludido, o freguês busca no consumo a realização imediata deste ideal, mas tem de lidar com a realidade de uma vida de privações, injustiças, lutas e muitos sofrimentos. Frustrado, desamparado e só está o freguês, que se sente fracassado e oprimido pela ditadura do ter. Agora, nem na igreja, encontra ele respostas para a sua dor, mas apenas ainda mais culpa por não ter tido fé suficiente para ter sido bem sucedido na vida profissional ou para ter sido curado de algum mal.


Mas, as vítimas deste golpe não são tão inocentes assim, como bem falou o Apóstolo Paulo dizendo que “... os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão” (1Tm 6.4-11).


A espiritualidade cristã não pode ser confundida com prosperidade financeira, nem com sucesso e nem com saúde. Pois, fosse este o caso, não poderíamos considerar nem a Jesus e nem os apóstolos como homens espirituais, visto que eram pobres, ficavam doentes, passaram muitas necessidades, sofreram perseguições, foram presos, desprezados pelo mundo e foram martirizados. Jesus mesmo disse que não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8.20) e não tinha dinheiro sequer para pagar o imposto, tendo que solicitar a Pedro que pescasse um peixe que teria uma moeda dentro de si que serviria para pagar esta divida (Mt 17.24-27), pois sabemos que Jesus, sendo rico se fez pobre (2 Co 8.9). Pedro e João disseram claramente que não possuíam ouro nem prata (At 3.6). Paulo experimentou período de pobreza (Fl 4.11, 2 Co 6.10, Tg 2.5). Comunidades inteiras de cristãos do Novo Testamento eram muito pobres (2 Co 8.2, Rm 15.26, Ap 2.9). A própria Maria, entre todas as mulheres a mais agraciada, não teve um lugar descente para dar a luz ao seu Filho bendito. Todas as portas se fecharam e apenas a porta do curral foi a que se abriu para ela e para José seu esposo. Ela não ficou murmurando e nem ficou rejeitando aquele lugar fétido e incipiente. Ela não ficou ali inconformada reivindicando um lugar condizente a sua condição de bendita entre todas as mulheres. Ela, pelo contrário, aceitou a sua própria cruz, acolheu a bendita graça de padecer por Cristo e não de somente crer nEle (Fl 1.13). Foi naquele curral e naquela manjedoura improvisada de berço que se fez Natal. A noite mais feliz da história humana! Eis aí mais um exemplo do privilégio de participar dos sofrimentos de Cristo e completar o que falta de suas aflições (Co 1:24). Perguntaram a William Booth, fundador do Exército de Salvação, qual era o segredo do seu sucesso, ele respondeu: "Deus teve de mim tudo o que Ele quis". Infelizmente os evangélicos seduzidos pelo consumismo têm feito o contrário: exigem de Deus tudo o que eles querem.


Com isto, não queremos dizer que Deus não possa prosperar ou curar. Dizer que Deus pode não é o mesmo que dizer que ele deva. A teologia da prosperidade nega a soberania de Deus, quando ensina que o uso da expressão “se for da Tua vontade” anula a fé e destrói a oração. Mas Deus tem vontade própria! Somos nós quem devemos nos sujeitar a vontade dele e não ele a nossa. Enquanto a Teologia da Prosperidade ensina a orar exigindo e reivindicando coisas de Deus, a Bíblia ensina que nós não sabemos orar como convém (Rm 8.26), por isso é que a gente, às vezes, pede e não recebe, porque pede mal (Tg 4.3). Portanto, devemos orar de acordo com a vontade de Deus assim como orou Jesus no Getsêmani: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua (Lc 22.42), pois “esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade, ele nos ouve” (1Jo 5:14).


Concluo trazendo à nossa memória o texto de Daniel 3.15 a 18 que mostra que Sadraque, Mesaque e Abede-Nego não eram adeptos da teologia da prosperidade, mas, sim, da teologia da “possibilidade”. Pois eles confessavam crer no poder de Deus para libertá-los das mãos do Rei, mas entendiam que Deus poderia ter outro plano e estavam dispostos a entregarem-se totalmente à vontade de Deus seja ela qual fosse. “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste”.


Portanto, cuidado com os ensinos e artimanhas dos falsos profetas (Mt 7.5, 15; 24.11; Mc 13.22; 2Tm 4.1-5).

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