Ecumenismo, Protestantismo e Igreja Católica

Por Carlos Seino


Na foto, reunião do MOFIC, realizado na Catedral Ortodoxa Antioquina, estando presentes representantes da Igreja Ortodoxa Antioquina, Igreja Ortodoxa Armênia, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Presbiteriana Unida, Igreja Metodista do Brasil, e Igreja Católica Apostólica Romana.

É comum, no meio evangélico, ouvirmos falar que o ecumenismo é uma forma da Igreja Católica de fazer com que todas as demais igrejas e denominações sejam por ela absorvidas e fiquem todas debaixo da autoridade do Papa juntamente com seus bispos.

Daí, alguns amigos meus, evangélicos (e escrevo principalmente para estes) me fazerem a seguinte pergunta: Serve o ecumenismo para tal fim? Seria o ecumenismo um trama da Igreja Católica para fazer com que todos os demais cristãos fiquem submetidos à autoridade do Papa, ou seja, que todos se tornem católicos romanos?

Esta não é uma pergunta muito fácil de ser respondida, por diversas razões, entre elas, a que passamos a expor a seguir.

A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) mudou muito no seu trato em relação a outros cristãos a partir do Concílio Vaticano II, ocorrido na década de sessenta, do século passado, até os dias de hoje.

Isto porque, entre outras mudanças, a Igreja Católica deixa o velha denominação "hereges" para chamar os demais cristãos de outras igrejas, notadamente, protestantes, de "irmãos separados". A ICAR passou a utilizar também a denominação "povo de Deus", mais do que estava acostumada a fazer, dando a entender, segundo alguns, que tal noção de povo era um pouco maior do que o próprio conceito de "eclesia". Também somos todos chamados de irmãos em Cristo pelo batismo (não que isso fosse novo na história, mas uma nova ênfase foi dada). Reconheceram que há meios de santificação em nosso meio, notadamente o batismo e a leitura atenta das Escrituras. Reconheceram que temos também os nossos mártires, e que vivemos em nossas comunidades, um esforço por vivermos a vida cristã da melhor forma possivel.

Por outro lado, afirmações tradicionais da Igreja Católica continuaram as mesmas. Entre elas, a de que a verdadeira igreja subsiste na Igreja Católica, pelo fato de possuirem o primado de Pedro em comunhão com os demais bispos. Por esta razão, as Igrejas Ortodoxas foram chamadas de Igrejas particulares. Aos protestantes, até hoje, é lhes negada o status teológico de igrejas, sendo chamadas de "comunidades eclesiais", visto não possuirem bispos em sucessão apostólica. Daí, por este motivo, negam a hospitalidade eucarística a protestantes de qualquer denominação, e proibem que católicos comunguem com outros cristãos, a não ser em ocasiões muito especiais, principalmente com os ortodoxos.

Por estes e outros motivos, por mais interessante que tenha sido a mudança da Igreja Católica pós Vaticano II; apesar de toda a amizade e relacionamento que tal Igreja tenha demonstrado para com os demais cristãos, entendemos que o pano de fundo dogmático da ICAR, levado às últimas consequências, exige que, para que haja unidade total entre os cristãos, estes venham a ser absorvidos, ou retornem a Igreja Católica.

Isto não significa que todos os envolvidos com o ecumenismo, na ICAR, pensem desta forma. Muitos católicos se aproximam de evangélicos, anglicanos e ortodoxos de igual para igual, mantendo um diálogo saudável e a mútua colaboração. Entretanto, oficialmente, a ICAR vê a si mesma como a única Igreja completa de Cristo sobre a face da terra, e qualquer unidade, significará uma volta a submissão ao pontífice romano, em comunhão com os seus bispos.´

Daí, estar justificado um pouco do temor que os evangélicos possuem em participar do movimento ecumênico, principalmente quando a ICAR também está envolvida.

Entretanto, a resposta a indagação deste texto, qual seja, de que o ecumenismo é uma estratégia da ICAR me unir todos os cristãos sob o seu aprisco deve ser negativa.

Isto porque, o ecumenismo moderno, conforme o conhecemos, é invenção protestante. Foram os protestantes, das mais diversas denominações que, no intuito de minimizar os efeitos das múltiplas divisões, resolveram se unir, em diálogo, para juntos, aprenderem uns com os outros. Logo, reafirmo, o ecumenismo intra-cristão é uma criação protestante.

Não é sem dúvida que o protestantismo ajudou a introduzir um divisionismo tal na cristandade que talvez jamais tenha havido na história do cristianismo, de modo que, o movimento ecumênico visava amenizar tais divisões, ou até mesmo a evitar que novas divisões aconteçam.

E, de fato, temos interessantes exemplos acerca de tais iniciativas. Nos EUA, por exemplo, os metodistas, divididos em dezenas de denominações, ao final do sec. XIX, conseguiram um notável retorno da unidade, criando a Igreja Metodista Unida. Nos EUA e em diversos lugares do mundo, anglicanos e luteranos demonstram uma notável unidade, havendo plena hospitalidade eucarística e intercâmbio de ministros, havendo representantes das duas igrejas durante a ordenação de bispos de ambas as igrejas (Luteranos e Anglicanos nunca se excluiram mutuamente, não lançaram, uns contra os outros, nenhum tipo de condenação). Também na Índia, no Canadá, em partes da África, muitas igrejas uniram-se juntamente me missão, formando inclusive uma única comunhão, sempre, sob o sistema episcopal de governo.

Este tema não é popular em meio evangélico; mas deveria, visto que, se observarmos a história da Igreja, veremos o quanto proeminentes autores defenderam a questão da unidade da igreja, e o ecumenismo visa tal unidade; além do que, divisões descabidas podem, a longo prazo, dificultarem a missão cristã no mundo.

Daí, o ecumenismo não poder ser visto como uma estratégia católica para os fins mencionados; mas sim uma tentativa de conhecer e respeitar critãos das mais diversas tendências, buscando, quem sabe, até a alguma unidade, mas não necessariamente. É o reconhecimento de que podemos aprender com outros cristãos, bem como nos associarmos em causas comuns. Eu, particularmente, apesar de evangelical protestante, aprendo muito da espiritualidade ortodoxa e católica romana, reconhecendo a superioridade de tais segmentos em muitos pontos em relação ao protestantismo. É também estabelecer a consciência de que boa parte de nossas divisões (pricipalmente entre nós, evangélicos) são escandalozas. É o incentivo para que, muitas daquelas denominações que se dividiram, uma vez sanado o motivo da divisão, possam se reconciliar, afinal, temos uma mensagem de reconciliação. Enfim, é o desafio para que, pelo exercício da tolerância e do amor mútuo, possamos ser reconhecidos como discípulos de Cristo, para buscar cumprir o desejo de Cristo em sua oração sacerdotal, qual seja, a de que fôssemos um como Ele é um com o Pai, para que o mundo reconheça que Cristo foi enviado por Deus.

Não é fato desconhecido que os mais radicais representantes de cada ramo do cristianismo, seja ortodoxo, católico ou protestante, são absolutamente contrários ao ecumenismo, pois entendem, entre outras coisas, que sua própria identidade fica ameaçada com tal aproximação. Dei uma aula de ecumenismo, certa vez, na Faculdade Metodista Livre, para alunos evangélicos, em boa parte pastores, e quase não consigo abrir a boca para ensinar algo, haja vista a polêmica que tal asusnto causou (curiosamente, entre os alunos havia um padre ortodoxo, do qual tive grande afinidade, pois apelei à unidade da igreja com base na Tradição e do Episcopado, algo que os ortodoxos entendem como ninguém). Temos uma tendência natural de nos encararmos como expressão mais correta de fé cristã, para o bem, ou para o mal. Mas o interessante mesmo, nos espaços ecumênicos, é que cada tendência reafirme sua própria identidade; não se diluindo em uma superficial unidade. Eu, particularmente, com todo o respeito, acharia muito desagradável que toda a expressão de cristianismo no mundo fosse o do catolicismo tridentino; ou ainda, que fosse da ortodoxia com suas belíssimas liturgias, mas que parecem nos remeter mais a um período imperial, com suas coroas, cajados dourados, reverências, etc, havendo ainda pouca aceitação nem nossa cultura. Ou ainda, que todos fossem obrigados a rezar na sobriedade do livro de oração comum, anglicano. Ou ainda, que todos fossem batistas, devendo celebrar ao som de um órgão exclusivamente, e utilizando o mesmo cantor cristão para todos; ou ainda, que fossem todos pentecostais, barulhentos, com suas gritarias, maluquices, reteté (expressão cultual da comunidade a qual pertenço). A variação cultual corresponde, penso, a própria variabilidade que existe na humanidade, e, a imposição de um tipo cultual só pode se dar pela supressão das demais, geralmente, via Estado e opressão. Mas a minha concepção protestante se recusa a admitir que exista uma única forma cultual agradável a Deus, não obstante, na teoria, tal coisa poder ocorrer. Penso, inclusive, que, a mais bela expressão cultual pode ser abominavel a Deus se não for acompanhado de uma vida reta e penitente, e que a expressão cultual mais simples lhe pode ser mui agradável, pois a essência da verdadeira religião é manter-se incontaminado do mal que há no mundo, e a assistência aos necessitados. Daí, vejo sempre com simpatia a aproximação dos cristãos, mas sem a ingenuidade (e talvez, mesmo sem o desejo) de achar que um dia iremos formar uma única instituição.

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