Imago Christi

Por Carlos Seino


"Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8.29).

Conformes a imagem do Filho...

Vi muitos cristãos se perguntarem qual seria o propósito de Deus em suas vidas.

Se deveriam casar, tornarem-se missionários, médicos, advogados, pastores, etc...

Certamente, estas são coisas dignas de se pensar...

Entretanto, independente da dúvida que possa acometer muitos de nós, algo a gente pode ter certeza, segundo o apóstolo dos gentios:

"Os que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes a imagem e semelhança do Filho..."

Falar sobre conhecer de antemão, entendemos, é algo que se dá antes da criação de tudo, da criação do mundo, da criação do tempo, como se tudo já estivesse no coração de Deus. Conhecer de antemão e predestinar são dois verbos diferentes da parte do Senhor.

Predestinação é destinar de antemão. Discute-se se necessita da cooperação humana, ou se é algo restrito tão somente a um ato de soberania divina. Esta é uma discussão infindável, insolúvel até, e talvez a mais humilde postura diante destas questões seja realmente o de se entregar ao mistério, entre tantos outros aspectos da Palavra de Deus. De qualquer modo, a soberania de Deus deve ser reconhecida em nossas vidas.

Fato é que, se o cristão tem alguma dúvida de algo que o Senhor queira fazer em sua vida, disto ele não precisa ter, repetimos: o de ser alvo da ação de Deus para se tornar a imagem e semelhança do Filho.

Entendemos que o Senhor deseja efetuar tal coisa por um ato de restauração da criação divina à sua primitiva dignidade e felicidade, e ainda, suplemetá-la ao que se costuma chamar de nova criação, ou novo ser em Cristo. Algo que temos, pela fé, a esperança de que irá ocorrer.

Entretanto, não se trata de uma espera vazia, destituída de nenhuma ação, quietista até.

Trata-se de uma espera em movimento, em, até onde nos é possível entender, em ampla cooperação divino-humana, em que utilizamos todas as faculdades do nosso ser para atingir tão sublime objetivo.

É ter como alvo a "imitação de Cristo", ainda que no caminho estejamos sujeitos a tantos tropeços; possuir os olhos puros, voltados somente para Cristo, buscando-o em todas as coisas.

E Deus, cremos, pelo seu Espírito, nos ajudará a transformar o nosso ser na imagem de seu Filho. Deve-se entregar totalmente a ele, buscá-lo sem nenhuma reserva.

E, certamente, uma onda de alegria tomará a nossa alma, o nosso ser.

Acho impressionante como pouco se fala acerca disto nas igrejas. Assista a maioria dos programas evangélicos, dos cultos, faça uma estatística de quanto se ouviu falar nisso. Dá-se a ênfase à prosperidade, à benção, à moralidade, mas disso, pouco se fala.

Mas como podemos falar tão pouco nisso, se isto é o principal?

É até mais importante que a salvação, visto que esta é somente o meio para que aquela ocorra.

Precisamos ficar atentos para não estar tratando o secundário como principal. Todo o resto em nossas vidas são sub-propósitos que devem servir ao propósito principal, que é ser como Cristo.

E de que modo podemos cooperar com Deus para que tal coisa ocorra em nossas vidas?

Não dá para dar uma fórmula mágica para tanto, mas segue um esboço do que nos ajuda a tal intento.

É preciso um intenso arrependimento, uma intensa e verdadeira mudança de mente e em nossa atitude. É rejeitar absolutamente aquelas forças mortíferas que nascem dentro de nós, o egoísmo, a ira, os pecados, a concupiscência da carne, dos olhos, a soberba da vida; enfim, tudo o quanto nos afasta do Espirito Divino. É preciso renunciar a todas estas carnalidades. Não deverá jorrar da mesma fonte água boa e ruim. Lutero dizia que a vida toda é uma vida de penitência. Que devemos nos arrepender todos os dias, seja do mal praticado, seja do bem negligenciado. Reconhecer nossa dependência e nulidade, pois, quando fracos, é que somos fortes. Assumir uma disciplina de vida, com a ajuda de Deus, para não sermos mais escravos do pecado.

É preciso receber a Cristo pela fé em nossos corações. Acolhe-lo pelo Espírito Santo. Retê-lo com todo o nosso ser. Não deixar que se vá, jamais, até sermos abençoados. A fé como "fiducia", confiança, e não como mero assentimento intelectual (a fé do diabo). Fé como "estar tomado por aquilo que nos toca incondicionalmente" (Tillich). Fé como um sentimento de dependência do absoluto (Schleiermacher).

É preciso utilizar os meios de graça. Participar da comunidade de fé, da igreja. É impressionante como é possível ver hoje tantas pessoas criticando severamente a igreja, mas que sequer são paroquianos, sequer fazem parte da comunidade concreta de fé. Dizem pertencer a igreja "espiritual", a igreja maior, mas não se envolvem com a igreja empírica. Ficam em suas torres de marfim, sem tocar as pessoas, sem acolhe-las, sem conhecer os irmãos. Estes sequer merecem o crédito de serem ouvidos. Além da comunidade como meio de graça, em que reconhecemos o Cristo na face do outro, também precisamos participar da bendita comunhão do corpo e do sangue do Senhor, da Santa Ceia, da Eucaristia, o meio de graça mais importante da Igreja ao lado de sua Palavra, instituído pelo próprio Cristo. Também estar atento à escuta atenta da Palavra, da proclamação do santo evangelho, amá-lo, encarná-lo, vivenciá-lo.

A espiritualidade cristã necessariamente passa pelo outro. Jesus se retirava para os desertos para melhor poder estar entre os homens. Por isso, uma espiritualidade cristã desencarnada, desassociada do próximo, que não se importa em acolher o samaritano, o jovem ferido, a mulher, a criança, e até mesmo o romano, não é a espiritualidade cristã. E assim, Cristo não se formará plenamente em nós.

Penso, prezados irmãos, que não há objetivo mais sublime do que este, o de ser um imitador e seguidor de Cristo, ser alvo do amor de Deus ao ponto deste, por pura graça, querer, pela sua soberania, nos transformar à imagem de nosso irmão, Cristo. Nos esforcemos para seguir nesta carreira que os está proposta. Que o Senhor nos permita alcançar tamanha graça, ao ponto de, um dia, podermos dizer como o apóstolo: "conforme ele é, nós o somos neste mundo".

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